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sábado, dezembro 23, 2006

Origens

Eu nasci em 12 de dezembro de 1225, tenho hoje 776 anos, durante este período fiz algumas anotações sobre a minha vida. Na verdade, as feiticeiras são como as pessoas comuns, mas com duas diferenças fundamentais: vivem dez vezes mais que os humanos e são onipotentes em relação à matéria e aos sonhos. Parece complicado, mas não é, vejam só: Com 06 anos participei do meu primeiro “sabat”, havia cerca de 5000 feiticeiros, bruxos, magos etc. Eles se reuniam sempre que houvessem problemas a serem resolvidos pelo conselho. Naquele momento o problema tinha nome, era a inquisição. Esta havia sido instituída pelo Pontífice Gregório IX, um tribunal eclesiástico para infligir penas aos hereges, eles tinham maneiras questionáveis de determinar quem era bruxo ou não. Eu, na minha inocência, não conseguia definir, que importância isto teria na minha vida, estava mais preocupada em comer doces, como era de praxe em todos os “sabats”.
Havia uma história que acabei decorando com o tempo, de como surgiram os primeiros feiticeiros; eles surgiram na pré-história, quando o homem ainda não era civilizado, numa família de 12 irmãos entre meninos e meninas, nesta única família houve uma mutação de genes fazendo com que todos os movimentos do corpo e pensamentos tivessem funções diferenciadas além de uma atividade elétrica superior a todos seres humanos, como ocorreu esta mutação? Alguns anos antes, um vulcão (já extinto na época dos doze) teria fundido grande quantidade de urânio no subsolo desta caverna, os pais desses meninos não sofreram mutação, mas eles sim. A princípio não sabiam de seus poderes e como era comum o casamento entre irmão, tornaram-se feiticeiros puros e perpetuaram a espécie.
Não pense, caro leitor, que eu soube disso já de primeira, pois apesar desta história ter sido contada todas as vezes que nos reuníamos, ela sempre me deu sono, mais tarde uma de minhas colegas me contou a história toda. O melhor de tudo é que não precisávamos ir à escola, pelo menos a dos humanos, íamos a escola de feiticeiros e assim aprendíamos a ludibriar qualquer forasteiro curioso. Esta da inquisição foi bastante peculiar, pois todos os queimados acusados de bruxaria, não eram culpados, ninguém da nossa aldeia foi condenado, como disse anteriormente, eles usavam métodos questionáveis.
Meus pais eram ingleses, mas já eram idosos quando nasci, eles me contavam as proezas de um tal Jesus de Nazaré. Meu pai tinha 900 anos e minha mãe 880 quando nasci, quando eles faleceram, eu tinha apenas 30 anos, então fui morar com os meus tios.
Puxa, mas que cabeça a minha em? Eu nem sequer disse o meu nome. Me chamo Sara, Meu pai chamava-se Thomas e minha mãe Margareth, somos do clã Luxkiev. Eles se conheceram em Jerusalém em 140 D.C. Eles iam lá com freqüência, pois os “sabats” começaram lá, depois mudaram-se para o Reino Unido, onde são feitos até hoje, um ano em cada país do mesmo.Por enquanto só vou contar a origem dos meus, com o tempo contarei todas as aventuras e enrascadas que me meti por ser bruxa, aguardem.

domingo, dezembro 17, 2006

O Quadro

Alfredo trabalhava num Museu de vigia, adorava uma pintura que era de um tal Juvenal Alísio. Sempre a reverenciava, a pintura ficava na sala principal do Museu, ela se chamava “Mulher em Conchas”, era um nu artístico. Um dia Alfredo foi trabalhar como de costume e fez a reverência à pintura, mas para a sua surpresa só havia o contorno da mulher ele ficou desesperado, pois não era um roubo, a não ser que quadro tivesse sido trocado, mas reconheceu a moldura, era a mesma, chegou a pensar em comunicar o roubo, mas logo desistiu, pois a garota da tela apareceu, mas não na tela e sim a sua frente:
- Onde é que eu estou?
- No Museu Aureliano.
- Como vim para aqui, eu me lembro de estar num estúdio e depois apareci aqui, onde estão minhas roupas?
- Eu não sei, eu trabalho aqui há dois anos, por coincidência desde que chegou esta pintura, aliás, você parece muito com a mulher do quadro, sempre amei esta pintura e sempre quis conhecer a mulher que foi pintada, foi você.
- Quadro, foi, mas ele acabou de ser pintado.
- Não foi pintado há dois anos pelo Juvenal Alísio.
- Eu me lembro dele, foi ele que me convenceu a posar para ele, pode parecer estranho, mas pode me arrumar umas roupas.
- Vou tentar, mas como é o seu nome?
- Eu me chamo Patrícia Baderna.
- Eu já volto Patrícia.
Logo, o vigia traz uma farda para ela se vestir:
- Você tem família?
- Sim, tenho uma irmã, a Sílvia.
- Me dê o telefone que vou chamá-la.
Mais tarde:
- Alô, Você é a Sílvia?
- Sim.
- Eu sou do Museu Aureliano, eu acho que tenho uma notícia estranha para você.
- O que houve?
- Você tem uma irmã chamada Patrícia?
Depois no Museu:
- Meu Deus Patrícia onde você esteve nos últimos dois anos?
- Dois anos, mas eu acabei de posar para o Juvenal Alísio e depois apareci aqui, não estou entendendo.
No dia seguinte no Jornal da Manhã duas manchetes de primeira página:
“Mulher desaparecida há dois anos, aparece misteriosamente” e “Obra-Prima de Juvenal Alísio é trocada por tela com contorno, Polícia não tem Pistas”. Juvenal lendo o Jornal corre para a casa de Patrícia e toca a campainha:
- O que aconteceu comigo Juvenal, como eu perdi dois anos da minha vida?
- Vou tentar explicar, mas não sei se vou conseguir é uma surpresa para mim também, pouco antes de chamar você para posar para mim, encontrei um sujeito na rua que me chamou pelo nome, estava bem vestido, se chamava Ruy Grey e sem mais nem menos começou a dizer o que aconteceria nos dois anos seguintes e disse para eu usar esta tinta especial que eu ficaria famoso no país todo e seria considerado o melhor dos pintores, mas apenas por dois anos, quando o encanto acabaria, no início não dei bola, mas não pude resistir à tentação de usar a tinta, então conheci você e pintei você com aquele nu artístico, mas quando terminei você havia sumido, achei que tinha ido embora, mas logo que liguei para a sua irmã percebi que havia algo errado, todos estavam te procurando, mas você sumiu da face da terra e por dois anos todos caíram aos meus pés, então quando você reapareceu me lembrei do Ruy e formulei minha própria teoria, para mim a sua essência ficou aprisionada no quadro e só foi liberada, agora, dois anos depois.
- E você sabe por quê?
- Ruy Grey me disse que ao cabo de dois anos o amor mudaria toda a minha história de vida, acho que alguém se apaixonou por você e isto quebrou o encanto.
Logo depois, Patrícia liga para o Museu:
- O Alfredo, por favor?
- Ele não trabalha mais aqui, senhora, o quadro que foi trocado, ocorreu no horário dele, ele foi responsabilizado e foi mandado embora por justa causa.
- Sei, mas tem algum lugar ou telefone onde eu possa encontrá-lo.
- Infelizmente não tem. Na verdade nem sei se ele se chamava Alfredo, ele dizia que era apelido, mas nunca tive curiosidade de perguntar o nome verdadeiro dele.
- Você me dá o telefone da empresa que o contratou?
- Sim.
Depois:
- Oi, o meu nome é Patrícia, eu queria saber do Alfredo que trabalhava no Museu Aureliano.
- Ah sim, o Ruy Grey.
- Ruy Grey?
- Sim, era o nome verdadeiro dele.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

ISTO UM DIA AINDA VAI TE MATAR

- Que mania é esta, menino. Isto um dia ainda vai te matar!
Minha avó me dizia isto quando eu tinha 6 anos, hoje não tenho como tirar a razão dela, afinal estou morto, exatamente como ela previra, mas não é destas mortes que todos passam, a minha morte foi pura falta de cuidado e hoje tenho que explicar porque não tomei mais cuidado e aí vem o sujeito para ouvir a minha história;
- Como vai, eu sou o secretário do Gabriel e me chamo Mallalel.
- Todos vocês têm este sufixo no nome.
- Agora que mencionou, realmente, acho que sim, pelo menos todos os que conheci, como deve saber a estação é muito grande, mas vamos ao que interessa, você morreu brincando com uma corda, é isto.
- Sim.
- Pode me explicar como um homem de quarenta anos ainda brincava com uma corda como se tivesse cinco.
- Bem, Mallalel, na verdade não sei explicar direito, era uma mania, uma brincadeira que sempre deu certo.
- Ah é, e como era a brincadeira.
- Eu amarrava uma corda abaixo dos meus ombros bem apertado e pulava de uma cadeira, eu sempre coloquei um colchões na frente para que ao pular eu não corresse o risco de me machucar.
- Entendo, muita gente avisou a você que era uma brincadeira perigosa, não é?
- Sim, mas como toda criança, eu não dava bola, sempre achei que era um excesso de zelo e que nunca me aconteceria nada.
- Mas e depois de adulto, como isto não passou.
- Não sei dizer, parecia que assim eu desafiaria a morte, sei lá.
- Tudo bem, acho que já tenho o suficiente.
- Suficiente.
- Sim, para o meu relatório final, daqui a pouco virá o Metrael falar com você sobre os detalhes da sua morte.
- Legal.
- Até logo.
Mais tarde:
- Você é o Getúlio, certo?
- Sim.
- Eu sou o Metrael e sem mais delongas, me conte todos os detalhes do seu passamento.
- Bem, para resumir a história, fui brincar como de costume com a minha corda, amarrei-a abaixo dos meus ombros e quando fui pular da cadeira, a cadeira caiu, como foi inesperado, a corda escorregou e se fechou no meu pescoço e agora estamos aqui conversando.
- Muito bem, mas não sei como qualificar isto, foi um acidente, mas não sei se o conselho vai entender assim, pois foi você mesmo que armou a sua morte o que caracterizaria um suicídio, mas amanhã terá o seu veredicto.
Nos corredores da estação:
- Getúlio meu neto querido, quando você chegou?
- A cerca de dois dias, porque a senhora ainda está aqui, já morreu há anos.
- Então Getúlio, a estação é o último estágio até o paraíso, digamos que é o último degrau do purgatório, estou muito próxima da salvação, mas e você? Como você morreu?
- Do jeito que a senhora falou que seria.
- Não me diga que morreu com aquela corda?
- Então eu não direi.
- Brincadeira, em menino, mas você já foi julgado?
- Ainda não, parece que a audiência é amanhã.
- Não se preocupe, vou estar lá para te dar força.
- Obrigado vovó, acho que vou precisar de toda a força possível.
No dia seguinte:
- Todos em pé para receber o excelentíssimo senhor Tiago, representando o verbo encarnado.
Todos se levantam e Tiago diz:
- Podem se sentar, o que temos aqui, Mallalel?
- Meritíssimo, o caso é o seguinte, a morte de Getúlio, suicídio ou acidente.
- Sei, eu já estudei o caso analisei as provas, agora só preciso ouvir os advogados.
A advogada de defesa Maria Mãe de Deus se pronuncia:
- Meritíssimo e todos os presentes, quero reiterar que o meu cliente não premeditou a própria morte, já que apesar de estar sempre brincando com ela, nunca quis tirar o própria vida e a maior das provas, são os planos que fez, segundos antes do ocorrido, passo a cópia aos senhores, aí está um planejamento do que faria até o final do ano, então senhores creio que se trata de um caso simples e que devemos nos preocupar com algo mais importante do que isto.
O representante das trevas, Baal se pronuncia:
- Eu nunca vi tamanha negligência com a própria vida, coisa que lhe foi dada por dádiva de Deus, os senhores membros do Júri, não podem deixar este caso ficar impune, um homem que nunca valorizou a própria vida desde criança quando era avisado por sua avó, aqui presente entre nós, que isto ainda o mataria; e alheio a tudo isto continuou com a brincadeira, se me permitem dizer, maldita, até que culminou na sua morte por asfixia, então senhores acho que está muito claro como devem decidir.
Tiago se pronuncia:
- Agora já poderemos tomar a decisão, os anjos e os representantes das trevas se reunirão na sala secreta e dentro de meia hora teremos a decisão.
Meia hora mais tarde:
- Senhores membros do júri chegaram a um veredicto?
O representante do júri diz:
- Ficamos num impasse:
- Sendo assim, a decisão ficará a meu cargo. Senhor Getúlio levante-se por favor - cumprida a ordem - como deve saber a situação é muito difícil, tanto que estamos todos divididos aqui na estação, então vou levar em conta o que realizou na sua breve vida. Hum vejamos, plantou árvores, foi um político corrupto, mas se arrependeu e devolveu o dinheiro que havia roubado e quatro vezes mais aos lesados, interessante, foi um péssimo marido, um péssimo pai, mas sempre ajudou a comunidade nas obras da sua igreja, era temente a Deus, mas era viciado em sexo. Ah, mas aqui está, na noite de sua morte, estava indo para casa com um guarda chuva, estava chovendo forte e viu uma velhinha se molhando, deu o seu guarda chuva a senhora e foi se molhando para casa, ótimo. Você está absolvido do crime de suicídio, mas terá de cumprir 20 anos no primeiro degrau do purgatório, lá perto do fogo, mas com a certeza de ser salvo. Caso encerrado.
Getúlio sai se sentindo estranho, não sabe se realmente ganhou, já que terá de sofrer por vinte anos, sua avó o encontra:
- Getúlio, meu neto querido.
- Oi, vovó, você veio me ver.
- É claro que sim.
- O que achou do julgamento?
- Podia ter sido melhor, mas que é melhor do que ir pro inferno, lá isto é.
- Quem será que era aquela velhinha, ela me salvou a vida, quero dizer a morte, ora, eu sei lá...
Na saída do julgamento, Tiago conversa com Maria a Mãe de Deus:
- Como você consegue isto.
- O que?
- Fazer com que se compadeçam, mesmo perto de morrer.
- Todos merecem uma última chance, fiz o que devia fazer e ele também, por isto se salvou.
- Tem razão.