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sexta-feira, novembro 24, 2006

Vida de Tímido

Tantas oportunidades havia perdido que desta vez Geraldo prometeu que não passaria mais um dia sem se declarar a Fernanda. Todos os dias ele a encontrava na mesma banca, comprando o mesmo jornal que ele sequer lia, ia apenas encontrar o objeto de sua paixão, não sabia nem o nome do jornal mas adianto ao leitor que se chamava "A Vitória". Neste dia Fernanda estava particularmente bonita. Geraldo estava com o discurso pronto, repassou mentalmente:
"- Fernanda, há muito tempo tenho observado você vir a esta banca e comprar o jornal, todos os meus dias só iniciam quando a luz do seu olhar penetra as minhas pupilas e me brinda com a sua beleza escultural. Fernanda, gostaria de tornar a minha vida mais iluminada sendo minha namorada?"
Fernanda aproxima-se e vai logo dizendo:
- Geraldo, sempre informado, em? Sabe, o dia que eu não encontrá-lo aqui, vou achar que o mundo deve estar próximo do seu final, porque posso até acertar o relógio pelo horário que você chega, olha só, agora são 8:15 da manhã.
Estas palavras desconcertaram Geraldo, o fez esquecer da declaração e quando Fernanda já havia se despedido; Geraldo a chama e diz:
- Fernanda, quer namorar comigo?
Estupefacta, Fernanda responde:
- Puxa, Geraldo, mas que coisa inesperada. Por que você não me pediu isto há três meses atrás, agora estou namorando o Fábio. (longo suspiro) É uma pena, mas não posso.
Geraldo infinitamente diminuído por sua timidez e por ter perdido a oportunidade diz:
- Ora, Fernanda, é brincadeira, eu estava te zoando, imagina a gente não ia nem combinar esquece, até amanhã.
- Até, nunca vi alguém brincar com uma coisa desta. - diz isto ao jornaleiro.
- Ah, Fernanda, não liga pro Geraldo não, ele sempre foi meio esquisito mesmo.
Geraldo caminha para casa, pensando em todas as chances que havia desperdiçado em sua vida, desde o colégio, quando aquele Marcos respondeu a pergunta sobre o primeiro homem que ficou em pé, ele sabia que era o Pitecantropo Erectus, mas o Marcos falou antes dele ou aquela vez em que marcou o encontro com a Patrícia naquele show e dormiu até a tarde do dia seguinte, tinha trabalhado demais naquele dia e achou que iria tirar só um cochilo, como pode alguém viver uma vida assim e perder tantas oportunidades, sempre chegando em segundo. Resolveu ir a um psicólogo antes que enlouquecesse. Naquela mesma tarde conseguiu uma consulta com o Doutor Lucas:
- Doutor, eu sou um fracasso, nada na minha vida dá certo, toda vez que tenho que fazer algo; acabo adiando e fazendo em momento inoportunos, já perdi empregos, mulheres, oportunidades de negócios e me sinto muito infeliz por isto, como posso sair desta minha timidez crônica.
- Bem, Geraldo, acho que me procurar já foi uma coisa boa, quando resolveu me procurar, veio direto aqui, ou adiou esta decisão também.
- Não vim direto aqui.
- Então, nem tudo está perdido, se consegue tomar uma decisão tão radical rapidamente, pode mudar a sua vida também.
- Como?
- Pelo que me contou, o seu problema é a falta de confiança, a dúvida e o medo do fracasso, mas você já tem tantos deles para se orgulhar, agora está na hora de vencer. Vamos fazer um teste, agora são 4:00 da tarde, ainda hoje você vai fazer algo interessante para mudar a sua vida e vamos definir isto nesta sala. Diga-me algo que sempre quis fazer e nunca teve coragem.
- Bem, isto é fácil, há tanta coisa que não tive coragem de fazer na vida.
- Então diga uma?
- Eu gostaria de dar uns murros no meu chefe.
- Peraí, temos que reforçar o seu lado positivo, não é nada bom para você e tampouco para mim que você fique desempregado, isto podemos trabalhar mais tarde, diga outra coisa.
- Tenho um cunhado que adora ir lá em casa buscar comidas que faltam na casa dele, eu preciso dar um basta nisso, mas tenho medo de brigar com a minha irmã e ele também é grande tenho medo de apanhar dele.
- Então, está decidido, hoje você vai dar um basta neste abuso do seu cunhado, seja criativo e evite violência. Esta é a sua missão.
Mais tarde na casa de Geraldo:
- E aí cunhadão, tudo bem??
- Tudo bem coisa nenhuma, eu estou cansado deste seu abuso para com a minha pessoa.
- Huummm!! “Para com a minha pessoa”.
- Não se faça de besta, Fábio.
- Onde adquiriu toda esta coragem Geraldo? - Diz isto, abre a geladeira e pega um pedaço de salsicha e o morde.
- Prometi a mim mesmo que ninguém mais iria pisar em mim.
- Ah ta, já sei, você ficou sabendo, não foi?
- Do que?
- Agora é você que está se fazendo de bobo.
- Não estou não.
- Você soube que me separei da sua irmã, não soube?
- Hum, é mesmo? E quando foi isto?
- Há uns três meses.
- E você teve a cara de pau de vir na minha casa me chamar de cunhadão e roubar a minha comida, durante todo este tempo? – Enquanto Geraldo fala, Fábio esta comendo um pão.
- Bem,. enquanto você não descobrisse funcionaria, mas não se preocupe eu já arrumei uma namorada.
- Ah é, e como ela se chama?
- Fernanda.
- Fernanda, pe-pe-pera lá, não é a Fernanda da banca de jornal, é? Então, você era o Fábio de quem ela falava?
- Acho que sim. Ela vai todos os dias a uma banca de Jornal comprar um exemplar de “A Vitória”.
Depois no consultório do psicólogo:
- Doutor o senhor não acredita, lembra do meu cunhado?
- Você conseguiu cumprir sua missão?
- Não exatamente.
- O que quer dizer?
- Bem, eu acho que ele não vai mais freqüentar a minha casa, mas isto não resolveu o meu problema com ele.
- Ué, por que, não? Não era o fato de ele ir à sua casa e pegar as suas coisas que te incomodava.
- Era, mas agora além de ele ter deixado a minha irmã, ela está namorando a minha namorada.
- Sua namorada? Ela o está traindo com o seu cunhado?
- Não doutor, na verdade, era para ela ter sido a minha namorada, mas ele chegou antes, lembra que eu te contei da timidez e tudo mais.
- Ah, já entendi. Bem, você tem duas escolhas, seguir a sua vida ou resolver esta situação.
- Não sei se resolvi, mas dei muitos socos nele.
- Se sente melhor por isto?
- Muito melhor.
- Consegue deixar isto pra lá?
- Ainda não sei.
- Veja, você progrediu, de alguém que não resolvia as coisas, teve duas atitudes de uma pessoa comum, veio ao psicólogo sem pestanejar e perdeu a cabeça em relação a um quase parente. São atitudes normais de indivíduos que se sentem acuados.
- Não sei se isto ficou claro para mim.
- Vamos estudar mais a situação. Você gaguejou ao conversar com ele?
- Não.
- Teve dificuldade em falar o que pensava?
- Não.
- Agiu sem pensar nas conseqüências de seus atos?
- Sim.
- Então você está curado. Só precisa agora dosar a sua ira para quem a mereça. Entenda que com isto não estou dizendo que você deve sair por aí, distribuindo porradas para todos, apenas deve saber discernir o momento de agir com mais veemência e momento de deixar pra lá.
- Obrigado Doutor se soubesse que seria tão rápido teria vindo antes.
- Ora, disponha e se tiver dúvidas retorne, ninguém vai achar que você é maluco.
- Certo, até logo.
Geraldo vai embora. O telefone da secretária toca, ela atenda:
- Pois não, doutor.
- Pode mandar entrar o próximo doido.
- Farei isto senhor.
Caminhando na rua Geraldo encontra ninguém menos que Fernanda:
- Oi Geraldo, nossa você não foi na banca hoje, o mundo deve estar próximo do seu final.
- Acho que sim, Fernanda.
Ele a agarra e lhe dá um beijo de cinema no meio da rua, depois vai embora seguindo seu caminho, deixando Fernanda surpresa e desconcertada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Geraldo é um homem muito doido, quando deveria falar para a Fernanda, não falou e inesperadamente ele age como um doido.
Beijos Fátima

Anônimo disse...

Muito interessante, isso é para pensar em relação as nossas "não" atitudes.

Mais uma vez, espetacular Hugo

Um abraço, Eduardo.