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sexta-feira, dezembro 01, 2006

ISTO UM DIA AINDA VAI TE MATAR

- Que mania é esta, menino. Isto um dia ainda vai te matar!
Minha avó me dizia isto quando eu tinha 6 anos, hoje não tenho como tirar a razão dela, afinal estou morto, exatamente como ela previra, mas não é destas mortes que todos passam, a minha morte foi pura falta de cuidado e hoje tenho que explicar porque não tomei mais cuidado e aí vem o sujeito para ouvir a minha história;
- Como vai, eu sou o secretário do Gabriel e me chamo Mallalel.
- Todos vocês têm este sufixo no nome.
- Agora que mencionou, realmente, acho que sim, pelo menos todos os que conheci, como deve saber a estação é muito grande, mas vamos ao que interessa, você morreu brincando com uma corda, é isto.
- Sim.
- Pode me explicar como um homem de quarenta anos ainda brincava com uma corda como se tivesse cinco.
- Bem, Mallalel, na verdade não sei explicar direito, era uma mania, uma brincadeira que sempre deu certo.
- Ah é, e como era a brincadeira.
- Eu amarrava uma corda abaixo dos meus ombros bem apertado e pulava de uma cadeira, eu sempre coloquei um colchões na frente para que ao pular eu não corresse o risco de me machucar.
- Entendo, muita gente avisou a você que era uma brincadeira perigosa, não é?
- Sim, mas como toda criança, eu não dava bola, sempre achei que era um excesso de zelo e que nunca me aconteceria nada.
- Mas e depois de adulto, como isto não passou.
- Não sei dizer, parecia que assim eu desafiaria a morte, sei lá.
- Tudo bem, acho que já tenho o suficiente.
- Suficiente.
- Sim, para o meu relatório final, daqui a pouco virá o Metrael falar com você sobre os detalhes da sua morte.
- Legal.
- Até logo.
Mais tarde:
- Você é o Getúlio, certo?
- Sim.
- Eu sou o Metrael e sem mais delongas, me conte todos os detalhes do seu passamento.
- Bem, para resumir a história, fui brincar como de costume com a minha corda, amarrei-a abaixo dos meus ombros e quando fui pular da cadeira, a cadeira caiu, como foi inesperado, a corda escorregou e se fechou no meu pescoço e agora estamos aqui conversando.
- Muito bem, mas não sei como qualificar isto, foi um acidente, mas não sei se o conselho vai entender assim, pois foi você mesmo que armou a sua morte o que caracterizaria um suicídio, mas amanhã terá o seu veredicto.
Nos corredores da estação:
- Getúlio meu neto querido, quando você chegou?
- A cerca de dois dias, porque a senhora ainda está aqui, já morreu há anos.
- Então Getúlio, a estação é o último estágio até o paraíso, digamos que é o último degrau do purgatório, estou muito próxima da salvação, mas e você? Como você morreu?
- Do jeito que a senhora falou que seria.
- Não me diga que morreu com aquela corda?
- Então eu não direi.
- Brincadeira, em menino, mas você já foi julgado?
- Ainda não, parece que a audiência é amanhã.
- Não se preocupe, vou estar lá para te dar força.
- Obrigado vovó, acho que vou precisar de toda a força possível.
No dia seguinte:
- Todos em pé para receber o excelentíssimo senhor Tiago, representando o verbo encarnado.
Todos se levantam e Tiago diz:
- Podem se sentar, o que temos aqui, Mallalel?
- Meritíssimo, o caso é o seguinte, a morte de Getúlio, suicídio ou acidente.
- Sei, eu já estudei o caso analisei as provas, agora só preciso ouvir os advogados.
A advogada de defesa Maria Mãe de Deus se pronuncia:
- Meritíssimo e todos os presentes, quero reiterar que o meu cliente não premeditou a própria morte, já que apesar de estar sempre brincando com ela, nunca quis tirar o própria vida e a maior das provas, são os planos que fez, segundos antes do ocorrido, passo a cópia aos senhores, aí está um planejamento do que faria até o final do ano, então senhores creio que se trata de um caso simples e que devemos nos preocupar com algo mais importante do que isto.
O representante das trevas, Baal se pronuncia:
- Eu nunca vi tamanha negligência com a própria vida, coisa que lhe foi dada por dádiva de Deus, os senhores membros do Júri, não podem deixar este caso ficar impune, um homem que nunca valorizou a própria vida desde criança quando era avisado por sua avó, aqui presente entre nós, que isto ainda o mataria; e alheio a tudo isto continuou com a brincadeira, se me permitem dizer, maldita, até que culminou na sua morte por asfixia, então senhores acho que está muito claro como devem decidir.
Tiago se pronuncia:
- Agora já poderemos tomar a decisão, os anjos e os representantes das trevas se reunirão na sala secreta e dentro de meia hora teremos a decisão.
Meia hora mais tarde:
- Senhores membros do júri chegaram a um veredicto?
O representante do júri diz:
- Ficamos num impasse:
- Sendo assim, a decisão ficará a meu cargo. Senhor Getúlio levante-se por favor - cumprida a ordem - como deve saber a situação é muito difícil, tanto que estamos todos divididos aqui na estação, então vou levar em conta o que realizou na sua breve vida. Hum vejamos, plantou árvores, foi um político corrupto, mas se arrependeu e devolveu o dinheiro que havia roubado e quatro vezes mais aos lesados, interessante, foi um péssimo marido, um péssimo pai, mas sempre ajudou a comunidade nas obras da sua igreja, era temente a Deus, mas era viciado em sexo. Ah, mas aqui está, na noite de sua morte, estava indo para casa com um guarda chuva, estava chovendo forte e viu uma velhinha se molhando, deu o seu guarda chuva a senhora e foi se molhando para casa, ótimo. Você está absolvido do crime de suicídio, mas terá de cumprir 20 anos no primeiro degrau do purgatório, lá perto do fogo, mas com a certeza de ser salvo. Caso encerrado.
Getúlio sai se sentindo estranho, não sabe se realmente ganhou, já que terá de sofrer por vinte anos, sua avó o encontra:
- Getúlio, meu neto querido.
- Oi, vovó, você veio me ver.
- É claro que sim.
- O que achou do julgamento?
- Podia ter sido melhor, mas que é melhor do que ir pro inferno, lá isto é.
- Quem será que era aquela velhinha, ela me salvou a vida, quero dizer a morte, ora, eu sei lá...
Na saída do julgamento, Tiago conversa com Maria a Mãe de Deus:
- Como você consegue isto.
- O que?
- Fazer com que se compadeçam, mesmo perto de morrer.
- Todos merecem uma última chance, fiz o que devia fazer e ele também, por isto se salvou.
- Tem razão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito desta história, pois tem um fundo religioso, simples e agradável de ler. Beijos sua principal leitora Fátima